Um curso com oito surdos, dois deficientes visuais e uma mulher com nanismo entre os 125 alunos matriculados. Assim é a atual formação do Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão (CMPDI), da Universidade Federal Fluminense (UFF). A instituição é pioneira no Brasil em integrar alunos com e sem deficiência num curso de pós-graduação.
Em seis anos, foram 170 dissertações defendidas, 45 delas por pessoas com alguma deficiência (PcD). São projetos como um método de alfabetização para autistas ou jogos e mapas didáticos para crianças surdas. A proposta do mestrado é de que as PcD não sejam apenas objeto de estudo, mas autores e produtores de ciência. Agora, a UFF quer quebrar ainda mais barreiras. Está lançando um Doutorado em Inclusão e Inovação Tecnológica. A primeira turma começará no segundo semestre.
De acordo com o último Censo da Educação Superior (2017), apenas 0,46% das mais de 8,2 milhões de matrículas no ensino superior foram de alunos com alguma deficiência. Na pós-graduação, esse percentual é ainda menor: 0,27% dos 363 mil alunos matriculados em cursos de mestrado e doutorado em 2017 se autodeclararam PcD, como informou a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão do Ministério da Educação (MEC) responsável pela organização dessa base de dados.
Luciane Rangel, de 52 anos, quer continuar fazendo parte desse seleto grupo. Professora de Libras concursada da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), agora ela se prepara para tentar o doutorado em Inclusão e Inovação da UFF. Ela foi a primeira surda a se formar no CMPDI, com uma dissertação sobre bilinguismo no ensino fundamental. A proposta de sua tese não se tratava de ensinar às crianças um segundo idioma como inglês ou espanhol, mas sim a Língua Brasileira de Sinais para alunos ouvintes. A inspiração veio das próprias dificuldades que enfrentou na educação básica, a fase mais difícil de sua vida. Ela ficou surda profunda aos 2 anos em decorrência de meningite, estudou em escolas que não tinham intérpretes e precisava se esforçar muito para fazer leitura labial.
“Escolhi esse tema para diminuir a barreira de comunicação entre surdos e ouvintes. Só conheço uma médica que sabe um pouco de Libras. Não conheço bombeiros, dentistas e outros profissionais que saibam. Não me vejo como deficiente, mas como estrangeira em nosso próprio país”, conta Luciane..
Na UFF, há oito intérpretes de Libras concursados para nove alunos surdos que necessitam do recurso, oito deles na pós e um na graduação. No total, há cerca de 350 estudantes com algum tipo de deficiência em 36 cursos: 97% deles na graduação, 2% no mestrado, 0,3% no doutorado e 0,7% no ensino à distância. Deles, 51,6% necessitam de algum auxílio para sua rotina acadêmica, de acordo com dados do Sensibiliza UFF, Divisão de Acessibilidade e Inclusão, que completa 10 anos em junho. Entre os equipamentos de tecnologia assistiva estão cinco impressoras em braille, duas cadeiras de rodas motorizadas e duas comuns, além de 12 bebedouros acessíveis.
A universidade concede 40 bolsas para alunos da graduação atuarem na produção de material didático acessível, como mapas táteis e textos digitalizados, para auxiliar estudantes com deficiência. Entre as PcDs, há outros 40 bolsistas – e uma grande lista de espera. Cada bolsista recebe R$ 440 por mês. No entanto, os recursos do Programa de Acessibilidade na Educação Superior (Incluir), para manter as bolsas, ainda não foram liberados pelo governo federal este ano, segundo Lucília Machado, coordenadora adjunta do Sensibiliza UFF.
“Há quatro anos, a UFF era a quarta universidade a receber mais verbas para a inclusão, cerca de R$ 280 mil. Em 2018, recebemos R$205.902,00. Nossa previsão de gastos com esses bolsistas este ano é de R$ 264 mil. Geralmente, recebemos por volta de março ou abril, no máximo maio. Mas o dinheiro de 2019 até hoje não foi repassado. Estamos pagando as bolsas com dinheiro de outro programa, o PNAES (Plano Nacional de Assistência Estudantil). Uma espécie de ‘escambo”, explica Lucília.
Em 2017, a UFF elaborou seu Plano Institucional de Acessibilidade. Uma das principais preocupações é a eliminação de barreiras arquitetônicas em todos os campi para facilitar a integração de PcD. Lucília explica que, como a maioria dos campi tinha chão de paralelepípedos, foram feitas obras, a princípio nos dois campi planos (Gragoatá e Praia Vermelha), com trajeto projetado para cadeira de rodas, pessoas com modalidade reduzida e com piso tátil para pessoas cegas e com baixa visão, além de sinalização em braile.
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